"É a vida, mais que a morte, a que não tem limites."
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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

DREAMCATCHER

Minha menininha está doente.
Nada grave, mas o suficiente. O suficiente para que eu queira que a dor dela seja minha. Para que eu a abrace com força, como se assim, pudesse roubar a febre que lhe furta os pulos e saltos.
Como me assusta a fragilidade dela. E esse medo me despoja um pouco de ternura, sou incisiva ao dar os remédios, ao fazê-la comer o mínimo, ao mantê-la sob o chuveiro para combater a febre. 

E depois a abraço tanto, tanto... Eu ainda mais frágil do que ela. E deitamos assim, juntas, lendo uma história com monstros imaginários, que não me causam sobressaltos como a possibilidade dessa doença boba não ir embora. E então ela dorme, mas eu não. Tenho nos braços o que é mais importante, e velo por ela. Sou a guardiã dos seus sonhos, para manter afastados os pesadelos. E só quando a vejo sorrir, o mundo volta ao seu lugar.

Para ler quando se está doente: Coraline - Neil Gaiman 
Para assistir, também: Coraline - Henry Selick

P.S. Dreamcatcher é um artefato dos índios Ojibwa (norte-americanos e canadenses). É um "filtro de sonhos", que mantém os pesadelos afastados

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DE EVA A GEISY

A culpa é sempre das mulheres. Como cantou Rita Hayworth em 1946 no filme Gilda, "put the blame on mame".
Mas estamos em 2009, e a moça do vestido curto foi expulsa da universidade. Em nome da "ética", "dignidade" e ""moralidade". Geisy, com seu vestido rosa, ao mesmo tempo Eva e a maçã dos tempos modernos, expulsa para proteger os outros alunos da sua sexualidade provocadora.

Segundo anúncio publicado em jornais, a direção da universidade alega que "a atitude provocativa da aluna buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar, o que resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar." O mesmo argumento que estupradores, assassinos em nome da honra, apedrejadores e outros criminosos e tiranos usam há séculos para justificar atrocidades contra mulheres: "Ela provocou".
Ao alegar que o problema foi a atitude da moça, mais que sua roupa, os responsáveis pela universidade parecem se esquecer que os outros alunos, adultos, sãos, poderiam aceitar ou recusar o "oferecimento" da moça, não precisando de proteção contra a sexualidade alheia. Protegida deveria ter sido a moça contra os insultos e agressões que sofreu. De homens e mulheres, também incomodadas - ameaçadas?

Quando escolhemos uma roupa para vestir, passamos uma mensagem. Devemos, portanto, ter o cuidado de transmitir aquilo que desejamos, seja ao usar minissaia ou burca. No caso da Geyse, a atitude e as roupas estavam em sintonia. Uma moça que se acha bonita, segura do seu poder de atração, que se veste dessa forma. Eu acho que ela está certa. Quem se sente ameaçado por ela deve procurar em si as causas desse desconforto. Talvez não tenha a mesma segurança que ela em relação ao seu próprio corpo. Ou, como se viu, não saiba controlar seus impulsos.

Espero que esse não seja o fim desse caso e que os agressores e a universidade sejam punidos por tanto sexismo e preconceito. Mais ainda, espero que ao crescer minha menina não seja prisoneira do seu corpo e refém da vontade alheia.

(Quando eu tinha uns 16, 17 anos, tive um vestido bem parecido com o da Geysi. Vermelho. Fazia o maior sucesso!)

UPDATE: O Reitor da UNIBAN informou que revogou a decisão do conselho que expulsou Geisy e dará "melhor encaminhamento à decisão."

Excelente texto:


Are you decent? trecho do filme Gilda

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

PELO DIREITO DE SER DIFERENTE

Hoje eu estou indignada. Muito.

Eu ensino minha menina que devemos fazer aos outros aquilo que queremos que nos façam. Eu mesma tento a cada dia respeitar as escolhas e o espaço alheios. Sonho com um mundo mais tolerante.
E ontem uma notícia me tirou o fôlego. Uma aluna da UNIBAN foi ofendida e segundo consta, ameaçada de estupro, porque foi à faculdade vestida de minissaia e se portou de forma "provocativa". Os vídeos foram retirados da internet, mas logo outros são postados. Mostram a moça saindo escoltada pela polícia enquanto outros alunos observam, riem, tiram fotos no corredor lotado. Ninguem parece manifestar qualquer solidariedade. Aliás, nos diversos veiculos de mídia que divulgaram a notícia, chovem comentários preconceituosos, muitos dizendo que "ela provocou e mereceu".

Existem países em que as mulheres devem andar cobertas. Em outros, meninas são mutililadas para não sentirem prazer sexual. Até mesmo nos países escandinavos, que atingiram os mais altos índices de participação feminina no mercado de trabalho e na política, aumentam os casos de violência doméstica. E no mundo ocidental, a mulher se vê cada vez mais presa na armadilha da eterna juventude e beleza a todo custo. É uma coisificação da imagem feminina que me preocupa pela sua escalada crescente. E assisto com tristeza a cumplicidade feminina em aceitar esse papel tão pequeno e árido. Meninas que se vestem como mulheres, mulheres que se vestem como meninas. No entanto, embora eu ache que os caminhos do despertar do desejo são tanto mais interessantes quando mais privados e individualizados, acho que todos tem o direito de se vestirem como quiser. Ainda mais em um ambiente adulto.

Espero que minha filha cresça de forma a se manifestar contra a unanimidade burra em casos como esse. E que saiba que o legal do mundo não é que somos todos iguais. O legal é que somos todos diferentes.

Para saber mais (não deixe de clicar nos links):

http://colunas.epoca.globo.com/bombounaweb/2009/10/29/uniban-se-pronuncia-sobre-video-de-aluna-hostilizada/ (matéria da Época sobre o caso)

http://rodolfo.typepad.com/no_posso_evitar/2009/06/experimentos-em-psicologia-a-unanimidade-burra-de-solomon-asch.html (A Unanimidade Burra de Solomon, da imperdível série Experimentos em Psicologia do Blog Não Posso Evitar)

http://www.bullying.com.br/ (site sobre bullying)

http://www.riocomgentileza.com.br/ (Esse é para lembrar que Gentileza gera Gentileza)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

NAVEGAR É PRECISO

Eu tenho um livro de poesia da Cecília Meireles em que logo na primeira página está escrito: "Gostaria que pertencesse à minha filha, um dia". Embaixo, a data - do ano em que eu nasci. Acho muito bonito essa esperança da minha mãe, de que eu herdasse o livro e o gosto pela poesia. O que aconteceu.

Eu também quero deixar para a minha menina livros e o prazer da leitura. Começo pela minha edição da obra completa de Fernando Pessoa. Seus versos me acompanham há muito tempo. E há um do qual me lembrei hoje:

"viver não é preciso"

Se falta à vida a precisão da navegação, sobra, contudo, espaço para mudanças, improvisos, surpresas. Não tenho a carta náutica que dê a direção a seguir. Mas tenho a esperança a me dar um norte. E também outros versos do poeta para navegar:

"Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu".

(Existe uma discussão a respeito do sentido da frase do poema de Fernando Pessoa. Preciso de precisão ou de necessidade? A frase original em latim foi dita pelo General romano Pompeu para incitar seus marinheiros à guerra e fala que viver não é necessário. Pessoa diz que viver não é necessário, o que é necessário é criar. Mas eu acho que a obra foi além desse significado primeiro (e acho também que viver e dar um significado à vida é sim, uma necessidade). Seja como for, a ambiguidade torna o poema ainda mais bonito. Aceito críticas e comentários!)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Incêndio!

A gritaria me acordou. Olhei para o relógio: 3hs da manhã. No apartamento de cima, muito barulho.
Madrugada de sábado para domingo, moro próximo a um hotel onde frequentemente se hospedam adolescentes barulhentos. Pensei que era mais um caso de bagunça. Mas os gritos começaram a fazer sentido:

- Chama o bombeiro!
- Sai todo mundo, 'tá pegando fogo!
- Ah, vai morrer todo mundo!

Resolvi conferir, ainda sonolenta. Abri a janela do quarto, o cheiro de fumaça invadiu. O incêndio era real. E era no meu edifício.

Corri para sala, meu marido tinha aberto a porta da sacada, o cheiro de fumaça estava mais forte. Neste momento, parei de pensar. só agi. Minhas pernas tremeram. Corri para acordar minha menina, não medi as palavras:

- Filha, acorda! O prédio está pegando fogo e temos que descer.

Ela não perguntou nada. Não se assustou, nem achou que era brincadeira. Apenas estendeu os braços. Saímos os três de pijama. Só coloquei os sapatos e peguei a bolsa, ainda assim porque ela fica sempre ao lado da porta. Passei minha filha para o colo do pai. Alguns vizinhos também já estavam descendo pela escada de incêndio. Uma moça entrava no elevador com o cachorro:

- Por aí não, pode faltar luz e você ficar presa.

E descemos. O cheiro de fumaça cada vez mais forte. Minha menininha com o rosto escondido no ombro do pai, tentando não respirar a fumaça. Algumas vezes a luz falha. Finalmente, chegamos ao térreo. Muita gente lá.

O incêndio é no terceiro andar. Alguns moradores combatem o fogo com a mangueira do edifício. Os bombeiros chegam, logo tudo está controlado. Ninguém está machucado. Apenas uma moça chora muito, porque entrou em pânico e esqueceu o cachorro. Um toque tragicômico: em meio à fumaça que invadia o terceiro andar, desorientados, os bombeiros arrombaram a porta do apartamento errado. O dono está viajando.

Ficamos uma hora lá, esperando liberarem o edifício. Ainda há muita fumaça, mas o estrago é restrito à área de serviço do apartamento, onde o fogo começou, não se sabe ainda o porquê. Os moradores do apartamento estão calmos, passam por nós com algumas bolsas, vão passar a noite fora.

Voltamos para casa. Durmo de mãos dadas com a minha filha. Antes de dormir, ela fala:

- O importante é salvar as pessoas, né, mãe?

Sim, meu amor. Naqueles breves instantes antes de deixar minha casa, decidindo o que levar, eu sabia que tudo o que importava estava em meus braços:
Minha filha.

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